sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Player

Eu era goleira. No jogo com os meninos e com as meninas. E parte disso tem a ver com a educação que meu pai me deu... por ser do esporte, queria treinar a melhor desenvoltura, sem medo. Ele trabalhava com quem tinha dificuldade, queria que todo mundo pudesse jogar. Por ser menina, sempre tentou me envolver. Por ser filha, me ensinou e insistiu que eu aprendesse a me defender. Agradeço muito por esses ensinamentos, me foram de grande valor.

Com os meninos, havia dois cenários: aqueles que tinham pena, por ser menina no gol, e, por conseqüência, "pegavam leve", configurando vantagem para o time que me abraçasse... e aqueles que ficavam putos, por ser menina, e "pegavam pesado", até mesmo pra que eu deixasse de estar ali, melhorando as minhas habilidades até mesmo por subestimar minha capacidade de resistência ou de me deixar intimidar. Nunca tive medo de apanhar, acho que isso é um vício e uma virtude. Dor para mim era familiar. E meu corpo nunca se fez de frágil. Recuperação rápida.

Eu gostava da adrenalina da competição. Por isso no handebol também entrei na linha. No futebol muito pouco porque me faltava realmente a habilidade (ainda me falta). Pois bem. Defesa. Aprendi de muitas formas a me defender e a encarar de frente, esperta, tentando prever e me preparar. Isso te dá algum conhecimento sobre o ser humano e sobre a previsibilidade de suas estratégias também. E o xadrez... o xadrez sempre me ajudou nesse sentido.

O lance é que, na vida, as regras não são claras. Somos juízes de nós mesmos, dos outros e temos que entender sob quais regras estamos sendo submetidos e ao mesmo tempo estamos nos submetendo. Às vezes não aceitamos. Às vezes tentam nos convencer, só para te manterem em campo. Porque você sabe jogar, porque o prêmio na estante é importante, bem como a grana da competição. Só que não quero ser jogadora profissional, quero brincar conforme a minha conveniência. Não quero me associar a nenhum time, não quero assumir identidade... só quero tornar o mundo e a minha vida um lugar mais lúdico, saudável e divertido pra todo mundo. Faz sentido?

Pois bem. Há algo de belo na desenvoltura das capacidades e habilidades do ser humano, mas há algo de escroto e sujo no jogo. Que possamos manter a ilusão da separação entre as coisas e a diplomacia de se jogar pelo esporte. Dos acordos não selados, das expectativas não declaradas, declaro: estou jogando pelo time, mas isso não pode ser encarado de outra forma como senão facultativo e prazeroso para mim. Está fora das mãos do juiz e do técnico a voluntariedade do jogador e sabemos que isso irrita. Irrita porque faz parte do jogo do técnico conduzir pro resultado esperado. Mas só se deixa conduzir quem está convencido de que quer aquele resultado, confia nas técnicas e estratégia que lhe foram apresentadas.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Carta à banda Flicts

Olá! 

Estive presente no Alves ontem, no show de vocês. Não foi o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro show que eu presencio... na verdade eu acompanho a banda há mais de dez anos. E eu estudei no Alves, de 2005-2007, no período em que o Johnny estudou lá, com a turma dos "rosqueiros", como pejorativamente éramos chamados (alguns mais pro punk, outros mais pro metal, mas éramos uma turma, as pessoas tinham banda e foi uma fase em que rolavam muitos festivais em escola também). Essa turma virou grêmio e por 2 anos se dedicou àquela escola defendendo o que a gente acreditava à respeito de uma educação pública de qualidade, fazendo manifestação sim e com nossos ideais políticos já muito aflorados, apesar da juventude. A presença do Johnny era notável no colégio e muitas vezes as ações eram chamadas por ele. Então foi muito simbólico e importante pessoalmente estar naquele lugar, naquela situação.

Não vou parabenizar, pq acho que nem é o caso quando se trata apenas do que considero razoável, mas vou dizer que "gostei de ver" a postura mediante a contestação que foi feita no facebook pela menina Gabriela Macedo, especialmente em comparação ao péssimo discurso que foi feito pelo Ariel no evento. O debate é essencial e autocrítica também, mas falta isso pra quem está preocupado de dar carteirada e apavoro em menina, né? Particularmente tenho uma grande afinidade com o punk rock e desde meus 13 anos já estava colando pra ver show do Cólera, e meu primeiro contato com vocês foi justamente por meio do álbum "Canções de batalha", mais ou menos nessa época também. Pois bem, eu me lembro do contato com a cena straight-edge também nessa época e o quanto que a tal da cena punk apresentava linhas ideológicas diferentes, mas em comum a todas elas uma pegada de machismo pesada no Brasil. Se a sociedade é machista, pq esperar q seria diferente na cena, né? Aquela coisa de não ter nada mais parecido com um machista de direita do que um machista de esquerda. Mas enfim, como muitas meninas, tendi pro lado das riot grrrl, que estética e estilisticamente acabava se diferenciando e nem sempre assumia conteúdos tão diretos e contextualizados como o punk / hc brasileiro.

Particularmente, me afastei (e continuo me afastando) do punk toda vez que sentia que aquilo não era um espaço pra mim e que as idéias / atitudes não me representavam ou até me agrediam. Me afastei pela ausêcia de mulheres como referências, porque eu queria tocar punk rock e ser parte daquilo, mas meus amigos que tinham banda acho que pensavam que eu tinha vocação pra tiete, ou seguradora de jaqueta, por assim, dizer, apesar de ser considera inteligente e ter minha opinião respeitada e considerada quando o assunto era (ou é) política ou filosofia. Isso apesar de nenhum deles saber tocar nada na época muito bem e eu demonstrar o mesmo potencial de aprendizado. Não conheço uma mina que tenha contato com esse circuito que discorde disso e, no entanto, nunca consegui me aliar a elas pra fazer um esforço coletivo de mudança nesse sentido, rs. Mas pessoalmente, nas relações mais imediatas sempre foi inevitável meu posicionamento.

"Muleque machista e misógino
Que leva a namorada pra segurar teu casaco
A cena está cheia de vocês
Não preciso de mais um otário falando o que eu posso ou não fazer
Nem das mina que reproduz a passividade que nos ensinaram a ter
Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!"
(Banda Anti-corpos, Apoia mútua)


Também não me sentia contemplada, no final das contas, por ser mulher e ter um relacionamento com uma companheira, já em 2004, com letras também de teor machista e homofóbico, como é o caso do juventude maldita (De arma na mão você é macho / 
Mas acho que cê é broxa, um puta cabaço / Bate uma pro sargento,sua vida é um saco / 
passa o dia inteiro dando geral em macho), que era uma banda com certa representatividade no meu circuito. Enfim, aquela coisa de se sentir mais ou menos representado num movimento que é amplo e incorpora setores diversos da sociedade.

De qualquer forma, acho que o ponto aqui é que qualquer um que preze a liberdade, a igualdade e a fraternidade entende que há expressões violentas e que escolhem dispensar a autocrítica e tomar atitudes opressoras, ou revanchistas, ou contraditórias e até mesmo pouco producentes no ponto de vista da aplicação prática dos seus ideais. O punk que me representa é libertário, e não opressor. É inteligente e respeitoso com a diversidade e procura colocar seus ideais em prática nas ações do dia-a-dia, fazendo resistência, mas também dialogando. O punk que me representa procura abraçar e não excluir; procura empoderar ao invés de "colocar no seu lugar"; procura mudar opiniões, mudar a sociedade e as pessoas, inclusive a si próprio. Pode até pecar pelo teor utópico e idealista, mas age no sentido da liberdade, da igualdade, da fraternidade e da justiça. Acho que o Flicts me contempla nessa linha e sigo com a banda na minha vida, rs. Aliás, adoro exibir meus anarcocards pras pessoas. 

Abraço!



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Sobre dramas, cenas e contratempos

"O tango é um pensamento triste que se pode dançar."
Discépolo - poeta, compositor, dramaturgo e ator argentino.



Ou escrever.

Eles estão sempre por aí, os pensamentos tristes. É a descrença na doçura unida ao medo da culpa ou da compensação como motivações, serenamente levantadas e analisadas pela perspicácia da mente (mente?).

É a falta de eco, a absorção dos sons sem assimilação e sem retorno, a topada das expectativas, a exposição não degustada, o medo do quase, que escorre e desliza entre tudo aquilo que passou e vai passar. 
É bonito, cardinal e justo. É o esperado não esperado, que quando foi, já não quis. Porque ninguém tá quando quer. É o inevitável assombrando e a luta do controle e do resguardo. Presta-se atenção às coisas importantes.

Apenas o perceptível e o sensível dançando o tango, à meia luz.