sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Sobre lanches, loucuras, neuroses, compulsões, fé e poder.



Parte I

Disse para ele e para ela que todos nós temos uma dose de opressor e oprimido dentro de nós. Ela me olhou como quem sabia do que eu estava falando; ele pareceu não entender muito bem como isso se encaixava de acordo com os autos que consultara mentalmente enquanto escutava minha explicação pessoal sobre o mundo.

Parte II

Contei para ela sobre quando era criança e me juntei com a minha "família" mais velha nos guetos de escola. Contei que roubei lanches e tinha raiva das crianças com seus lanchinhos caprichados trazidos de casa. Eu simplesmente pedia um pedaço para estranhos e comia - e isso era já muito transgressor. Inebriada pelo poder de dominação, cheguei a pedir um pedaço, a criança me deu, sem graça e depois eu saí andando com a comida dela. Mas eu agradecia, toda vez.

Parte III

A parte em que identifico a hipocrisia dela em se chocar e demonstrar que se importa com essa minha história infantil. Ela não (se) percebe. Há dinheiro para os outros, mas não para mim. É um problema de classe, eu sei. Eu sou a menina com o lanche que ela pede um pedaço, por favor, agradece e sai andando com ele.

Parte IV

Eu não tenho fé e a culpa é minha. Aprendi isso desde cedo. Quem discorda e duvida já não tem fé. Felizes são os iluminados e protegidos. Deslumbrados. Irresponsáveis. Por aqui não há otimismo, mas há justiça e autocrítica. Possibilidade de discordar, de se ter dúvida e, por fim, respeito pelo que pode e não pode ser, independentemente do que se acredita.

De omnibus dubitandum est 

A tatuagem dela. Eu.