quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Desalinho

Todas aquelas coisas que não foram ditas
Todas aquelas coisas que foram sugeridas e deixadas à livre interpretação
Movidas pela sensibilidade, pelo querer e pelos sentidos combináveis
Todas elas

Na impossibilidade de descartá-las
Soterro em algum canto
Invento, amarro, embrulho, escondo, finjo que não existem
E a coisa ou cresce e me tortura no silêncio
Ou me deixa em paz por um tempo
Ou me mata de ressentimento pela memória
Re-sentimento
Por não poder ou ainda poder ser

Por poder ter sido
Todas as possibilidades do passado e do futuro

Esgotadas no nada do agora

Vou me distrair, pois já é tempo
Meu encanto é de graça e cheio dela
Infelizmente
O preço é sempre muito caro

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E fica a prosa, pois não há poesia que o valha.





sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Pressure drop

A vida se gasta

Tento viver a economia do melhor tempo perante o que entendi como necessidade ou como desejo. Quando digo que quero ou não quero gastar meu tempo - e existe o benefício da escolha - não gostaria que gerasse desentendimentos. Apenas prezo para que possamos passar o melhor tempo, necessária ou desnecessariamente.

Por isso, quando alguém me disser, daqui em diante, que eu não preciso fazer alguma coisa, resolvi que prestarei muita atenção. Desejo estar mais aberta para ouvir isso. A nossa vaidade fica fortemente afetada quando há questionamento sobre as nossas avaliações. E é preciso se dosar a aflição do auto-questionamento e da auto-crítica para que a linha bamba das certezas sobre a qual nos equilibramos não deixe de ser nossa trilha. No entanto, não há situação que não valha a pena de ser revista, ainda que se chegue à mesma conclusão.

Existe algo de muito valoroso no recado da teoria da relatividade sobre a percepção sobre o tempo e o espaço. Podemos resumir em custo-benefício, né? Quanto que me custa e quanto que me beneficia. A curto, médio e longo prazo (o tempo nunca deixa de ser parâmetro). A perspectiva utilitarista do livre-arbítrio combinada com a reciprocidade dos laços não obrigatórios: o quanto que sou e me é útil, o quanto que proporciono e me é prazeroso.


Disse para ela e reitero, para conveniente ou inconveniente divagação: o fato de você querer encher o copo não significa que ele esteja vazio.

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I say, and when it drops, oh you're gonna feel it
Oh, that you were doing wrong

sábado, 5 de setembro de 2015

Muito assunto pra pouco título


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Imagens do filme "Veronika decides to die". Não, não sabia que tinha a ver com Paulo Coelho e provavelmente não teria assistido se soubesse disso, rs. Mas gostei.

Destaque para dois outros diálogos interessantes desse filme:

(1) A conversa sobre se sentir e fazer as coisas com a "alma", em referência a essa cena das imagens. Depois a confusão da personagem, dizendo, primeiro, que não era ela mesma agindo daquela e forma e, em seguida, que talvez tivesse sido mais verdadeiro do que nunca. A outra mulher disse algo sobre pessoas passarem a vida inteira buscando sentir o que ela sentiu e alertando para a existência de mais 1000 momentos como aquele para serem vividos.

(2) A reflexão sobre o desejo substituir o medo. Não peguei muito bem, mas o psiquiatra lá passou um tempo pensando sobre o desejo da morte e chegou a essa conclusão. Teve um outro momento em que ele falou também que o hospício não precisava existir se todos conseguissem concretizar seus sonhos... interessante essa perspectiva, inclusive sobre o suicida.

~ textão

Ao mesmo tempo que falta coragem para fazer alguma coisa a respeito das próprias vontades, sonhos e desejos, falta paixão e amor a quem tem insatisfação, medo ou frustração (é esquisito que eu esteja lembrando da combinação do Mágico de Oz - pessoa perdida, sem cérebro, sem coração e sem coragem?). Ok, né? Quem não sente nenhuma dessas coisas? Outra parte do filme interessante é a personagem tentando argumentar sua ausência de curiosidade e interesse por qualquer pessoa (ou por qualquer outra coisa) num diálogo com uma mulher com quem sai para fumar.

Quando se tem coragem, mas não se tem paixão e amor, perante uma situação de insatisfação, o desejo pela morte pode ser bastante sedutor, porque remete à uma situação de controle também. Ainda que seja o controle para que aquela situação toda deixe de existir. Talvez quando se sinta que não se pode fazer mais nada à respeito de tanta coisa, a única coisa possível de ser feita é a desistência (da vida ou da vivência). 

Nesse sentido, o que pensar sobre a morte do desejo? Uma vez ela me disse que a morte dos sentimentos era sempre algo muito triste. Fiquei com isso na cabeça e obviamente me irritou muito na hora, claro. E muito desse assunto me lembra dela, talvez porque seja seu aniversário, talvez porque tenho pensado em Sandman, Morte e Delírio. Nunca fui de acreditar na morte das coisas, mas mais na transformação (Saca? Aquela coisa da lei do Lavoisier?).

Mas enfim, pensando aqui de forma mais sociológica, o suicídio está ligado à idéia de falta de laços do indivíduo com a sociedade (é provável que eu esteja lembrando de Durkheim). Uma sociedade altamente moralizada e regrada talvez não dê espaço para os que não se encaixam naquele esquema, que ficam marginalizados e sem lugar. Aí temos os loucos e os suicidas (Goffman). E os outsiders (Becker). E os criminosos, que se confundem com todos os anteriores.

Agora é muito curiosa também a perspectiva talvez do tédio, do ato desesperado pela atenção. Sempre pensei nos suicidas como covardes... coragem para desistir, mas sem coragem para tentar mudar o que te incomoda? Esquisito. Parece um caso de energia mal direcionada. E um pouco de arrogância de se pensar que as pessoas ao redor não têm capacidade de entender, que não se pode mostrar fraquezas. Tem a ver também com a cobrança da sociedade para que sejamos felizes (o filme também traz esse argumento).

Aliás as motivações da personagem são muito intrigantes, em diversos momentos. Ela começa a escrever um bilhete suicida tentando redimir a culpa dos pais. Aí desencana e começa a criticar a sociedade e a "mentira" que as pessoas vivem, evidenciando a dificuldade de aceitar as coisas como elas realmente são. Alguma coisa sobre a indústria da moda. Quando o psiquiatra aborda o que ela escreveu ela quase ri, diz que estava muito chapada quando escreveu isso. Curioso. Não aceitar as coisas como elas realmente são, para mim, é uma qualidade que move inclusive a (auto)transformação - a idéia de conformismo e resistência.

E essa cena dos quadrinhos é particularmente interessante.Talvez a melhor ajuda que se possa oferecer, a melhor proposta, o melhor acordo a alguém traumatizado, entediado, ou mesmo desistente, seja um plano. Talvez um plano de fuga ("vamos dar o fora daqui" haha), um plano de vida, talvez algo menos pretensioso e mais imediatamente desejoso, como plano de uma noite, de uma foda, um convite prazeroso, uma proposta pro agora, uma proposta pra depois. Estou dizendo como quem quer dizer: tudo menos a ausência de possibilidades. Talvez isso tenha alguma coisa a ver com a tal da morte dos sentimentos, a ausência de possibilidades.

Gosto dos planos, dos convites, dos projetos e das idéias malucas. Gosto de alma. Gosto de esquisitice. Gosto de quem sobrevive e resiste ao status quo para mudá-lo, não para se conformar. Se somos líquidos, que nenhum envase nos conforme, que nenhuma barragem ou barreira nos prenda ou nos impeça o movimento mais amplo; que possamos transbordar. A vida nem sempre continua, e interrompê-la pode ser uma decisão, que eu particularmente não acho a melhor das decisões e não recomendo. Das esquisitices sobre a psiquê humana, concluo: medo da morte pode ser valioso para promover o desejo pelo melhor aproveitamento do tempo de vida. A minha quero com "alma", por favor.

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“Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre. Porque alguém disse e eu concordo que o tempo cura, que a mágoa passa, que decepção não mata, e que a vida sempre, sempre continua.”

Simone de Beauvoir

[Talvez esse sejam os votos de felicidade que eu daria, quanto ao aniversário dela, no final das contas.]