quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Dos sentidos

Afina teus ouvidos.

Da sintonia fina
Que nos extravasa
Da morte e vida severina
E o querer sentir-se em casa

As plantas e sementes
Os cacos e ruídos
As velhas dores dormentes
As novas fumaças e fluídos

Da faísca risca
Faca corta e pica
Prepara a tua isca
Pesca, come e fica

Permanece
Ensaia a fuga e respira
Reconhece
Reconstrói a tua gira

Refina o paladar.

Vem da terra, água e ar
A vida que se propaga
Em todo alimentar
Vale o preço que se paga
A condição elementar
Da feita-coisa confinada
Mantida e cultivada
Pro prazer de degustar

Processado 
Historicizado
Mal-contado
Pouco ou muito utilizado
Vai de acordo energizar
Todos que podem falar
E rudemente dispensar
O passo a passo do pensar

Exercita teu olhar.

As formas e funções
com suas normas e grilhões
A matéria e as medidas
Destruídas, distorcidas

São camadas e camadas
Trazidas e levadas
Conforme o movimento
Interno e do vento

O ponto em que se firma
Perspectiva da tua mira
Se é denso, raso ou fundo
É preciso correr mundo








quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A única moral possível de todas as histórias

acredito ser a incansável capacidade do ser humano de ser desprezível.

Românticos diriam que há coisas lindas e tipicamente humanas...

Ná. 


A única moral possível de todas as histórias: humanos são irresponsáveis, cruéis e mesquinhos. E não entendem que seus deuses são apenas representações caricatas de suas inseguranças e carências. Se apegam a qualquer coisa para terem licença de serem (e continuarem sendo) babacas. 

Eu não sei se nada disso é natural, porém como a nossa própria idéia de natureza é socialmente construída como algo praticamente imutável, uma espécie de força avassaladora, parte de mim se esforça em tentar entendê-la para descondicioná-la. Não sei se é possível. Não sei se me é possível não tentar. E não quero biscoito. Quero não sentir vontade de gorfar.

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Lembranças: acusação descabida sobre ela ter roubado um livro (suspeita de rota de fuga), paranóia de estar sendo "zoado" em uma trama sádica, dizer que SE SOUBESSE teria feito diferente. Escrevo uma carta, sou empática, falo sobre "calos emocionais". Silêncio. Espero ter pegado no dele. Ela também, do jeito dela. Love me two times. We're gone away.


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Existe amor além da dor(?) 

Respiro fundo. Penso: todas as vezes em que ele me cansou de falar suas asneiras eu criei respostas pra elas. Ele conseguiu um equilíbrio delicado de humanidade na minha visão em que eu já espero que ele me traga uma bagagem equivocada (eu não espero que ele esteja certo) e cruel sobre as coisas, porém aprendo com isso. Aprendo porque tem verdade ali. 

Aprendi que atrás de toda dor tem outra dor e talvez não tenha havido o amor ou sensibilidade para senti-lo. É o problema da rigidez. A rigidez é triste defesa adquirida, memória muscular difícil de contornar. As dores são reais. Bate direito. A carne fica amortecida e nervosamente se fibra. Coração é carne e a carne é forte. Perdemos o medo. Enfrentamos. Perdemos o toque. Somos casca grossa. Os calos emocionais.

E qualquer coisa pode ser muita coisa.

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Meu maior medo sempre foi perder a cabeça. O descontrole sempre me pareceu inaceitável. Não aceito os meus. 

Olhando para ela e para ele, entendi que não se perde a cabeça sem correspondência com as questões emocionais. São questões, quando conseguimos formulá-las. Às vezes não conseguimos.

Pode o excesso de estímulos causar o entorpecimento do pensar? Em que medida buscamos e nos defendemos disso?