sexta-feira, 27 de abril de 2018

A empreitada do barulho, pt.1

Precisamos conversar

As 
palavras duras, ditas em língua nativa
nem
turvas
nem
puras

Mas 
não tem muito a ver com o bom português
têm 
razão
têm
emoção

Então
não quero me estender
e nem desviar
O ponto é que
precisamos conversar.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Pasta

E conforme o tempo foi passando, o calor foi aquecendo, a água hidratando, entre outros processos mais, aquela massa voltou a amolecer.

domingo, 15 de abril de 2018

Os não lugares e as coisas fora do prazo de validade

Ela me perguntou sobre minhas mágoas e rancores - acho que num processo de renovar suas energias e tentar se livrar de suas próprias, tendo em vista o momento que se vivia. Desconversei, pensando numa conversa que já havíamos tido nesse sentido. Ela, sentada e fumando, insistiu.

Eu, com a mesinha nova de ponta-cabeça, apertando os parafusos sobre o tampo, respirei fundo.

Estive respirando fundo por todos esses dias, na verdade. Deixei o tabaco em casa. Precisava deixar coisas para estar aqui nesse momento, sentia.

Bom, falei. Lembrei do princípio de infarto dele, quando falei para ele também. Mas aqui não teve tanta raiva porque o tom não foi provocativo, penso. Porém, não há sutileza no palavreado que disfarce a natureza tóxica das coisas. Não guardo rancor porque sei que são coisas da vida. Sinto assimetria. Tentei suavizar de todas as formas. Sempre tentei respeitar muito as dores deles.

Ela me pediu explicações e exemplos. Ela repetiu comportamentos e me ajudou na argumentação com mais exemplos e demonstrações. Quem sabe, faz ao vivo - pensei agora. Disse que não havia muita participação na minha vida, que constato menosprezo de sentimentos e cobranças indevidas. Disse que não sentia a recíproca verdadeira com nenhum deles. Disse que sua depressão também havia me custado muito e a relembrei que vivi junto todas as dores dela em meu tempo de convivência. Quando se tratava das minhas, ou eu escolhi viver sozinha por assumir que eles não precisavam de mais problemas ou entao ela mesma tratou de ignorar os pedidos de ajuda e literalmente mandou que me virasse sozinha.

Sozinha. Sim. Há um ponto em que se é preciso dosar o discurso de sucesso sobre independência e a autonomia.

Consegui que ela escutasse. É duro quebrar a vaidade e a autodefesa dos outros. Disse coisas que acho que ela não sabia. Achei que ela soubesse, mas ignorasse. Parte de mim sempre considerou que ambos, além de depressivos, magoados e rancorosos, sempre escolheram olhar muito para si e ignorar os sentimentos dos outros.

E aí que doeu nela, né? Não dói pra quem fala, dói pra quem escuta. Expliquei acho que bem explicadinho. Ela foi chorar no banheiro, sentiu vergonha. Para ela é terrível quando se prova o erro dela. Falou em negligência, soluçando. Fiquei sem jeito, fazia tempo que não me ocorria nada parecido com aquilo tudo. Expliquei pra psicológa que tava tudo bem, mas a diferença era que ela era minha mãe e eu era filha, especialmente quando era criança. Queria dizer que a cultura do "engole o choro" também foi uma merda, mas dosei.

Aos vinte oito anos de idade. Sempre foram maiores abandonados. Não quero, tomara que não. Tenho muito (muito) medo da hereditariedade e da reprodução de valores sem filtro da crítica. E eu sei que o mundo é bem maior do que eu, mas entende? Achei importante. São 05:07 da manhã de domingo.

terça-feira, 3 de abril de 2018

As memórias dele

Um dia ela me perguntou sobre ele, como quem quisesse justificar para si mesma de que o universo havia entrado em sua nova ordem cósmica, de forma perfeitamente previsível. Tenho cagaço do cosmo, lembrando aqui. Me incomodava profundamente a idéia de que havia algum tipo de "lição" naquela história toda, especialmente pela culpa que me assolava por saber desse meu comportamento viciado em rotas de fuga no esquema autocompensação (dor pelo prazer).

Lembro que ele não se achava inteligente o bastante. E eu gostava de me aproveitar disso. Um pouco, não muito. Era uma inversão de ordem da impressão primeira. Ele dizia que eu tinha a língua bifurcada. Ele sempre achou que eu estava sendo cruel com ele, mas, no fundo, acho que ele sabia que havia algo de cruel e compensatório também nele mesmo. Eu elogiava seu sorriso sinceramente. Estava interessada nele. Havia algo de interessante acontecendo em mim também e foi inevitável investigar.

Mas eu acho que a gente entrou numa guerra para ver quem cedia primeiro aos caprichos um do outro. Pedi pra ele parar, por favor. E eu também acho que foi por conta do abalo sísmico que voltei a pensar nisso tudo. Sabe como é... a gente sente coisas fortes e esquisitas que a gente não sabe de onde vem, de vez em quando. 


Homens fazem isso (sim, estou sendo sexista)... não fecham portas, só dão uma encostadinha.

- E as mulheres, como fazem?