sábado, 16 de junho de 2018

Sobre árvores e pássaros

Ela me perguntou uma vez sobre preferir ser árvore ou pássaro. 

O meu entendimento me levou a pensar que isso significava uma espécie de estado de espírito dividido entre criar raízes permanentes ou escolher a autonomia e liberdade. Deve ter mais coisa do que isso nessa pergunta, mas parece uma dualidade difícil e desconfortável. Espero que seja uma falsa dualidade, na verdade, rs. E aí que ele me mandou um treco assim pra olhar, dizendo que não se sentia totalmente alinhado com essa idéia. Pois bem, segura aí que vem textão.

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> Parte 1: Em memória, as histórias que ouvi

Minha avó materna "falava" com passarinhos. Eu me lembro de passear com ela na rua e que ela gostava de imitar os pássaros por aí, assobiando. Eles respondiam. Minha irmã se interessou por isso mais do que eu, virou tatuagem na perna. Meu avô materno também gostava de passarinho. Aprendi a assobiar cedo, por influência deles. Gosto da idéia de conversar com passarinhos, mas tinha uma imagem nada romântica na casa dos meus avós de mulheres servis de pele escura e gaiolas barulhentas no quintal do apartamento. Acho que isso diz muito sobre a distorção da imagem causada pelo avanço da sensibilidade. Coisas que nos forçamos a criar afeto e sentir um certo romantismo, porém algo dentro de nós fica desconfortável, sentimos esquisito.

Minha avó "Santinha", a mulher que criou meu pai, por outro lado, nunca se adeqüou muito bem a conviver com bichos. Ela nunca se casou. Acho que morreu virgem, porque pregava muito catolicismo. Ela teve um papagaio que vivia fugindo da gaiola. Ela queria deixá-lo solto e entendeu que não podia prendê-lo, em algum momento. Não sei como ela absorveu essa informação, muita gente sente que querer liberdade não é uma resposta para uma infelicidade condicional, mas leva pro pessoal, como se a questão fosse sobre a própria insuficiência de fazer o outro ser feliz. Como se espantasse tudo pelo que cria afeto. 

Gostaria de ter conversado com ela sobre isso. Sempre penso que gostaria de ter conversado com ela mais sobre as coisas. Enfim, era difícil. Ela gostava muito de dizer a regra da vida dos outros, por essa questão de precisar manter a imagem de católica, sob a pena de ser julgada por suas escolhas de vida. Parte de mim romantiza e acha que a parte Santinha era só um disfarce e que havia coisas mais interessantes ali. Ela acolheu um casal de gatos por um tempo que chamou de "Duque" e "Duquesa" e também teve aquário na sala. Quando o peixe morreu ela ficou triste. Não entendi o negócio do peixe porque ela comia peixe, mas não discuti. Gostava de alimentar e olhar o peixe, mas sentia esquisito.


O irmão dela, pai do meu pai, casou três vezes. Na primeira vez, foi casamento arranjado, com uma menina de 15 anos, em algum lugar do nordeste. A gente imagina muita coisa, mas disseram que a família veio "fugida" para São Paulo. Ela, a mãe biológica do meu pai, fugiu e "abandonou" meu pai. Ele sofre muito com a dualidade entre a puta e a santa, porque acho que dói muito o abandono, mas pela relação que teve com o próprio pai, ele deve ter capacidade de entender o grau de violência e algo sobre ausência de afeto e amor. Será que ele sabe sobre estupro marital? Acho que eu preciso conversar com ele sobre isso, talvez traga um desfecho emocional diferente para ele entender a trajetória da violência.

A gente ouve muitas histórias e vive um pedacinho do que absorvemos da história dos outros, quando estamos sensíveis a isso. Todos nós temos as nossas incoerências e alguma dose do que estamos dispostos a aceitar, mas que em outro momento pode parecer absurdo e inaceitável, até pra nós mesmas. Essa música me marcou muito, pelo tratamento dos desprazeres, sensação de afogamento. Me incomodo profundamente com a idéia de morrer como decoração das casas.

> Parte 2: Os aprendizados e as vivências mais próximas

Sempre me lembro da casa dele, que tem aquele imã com uma tirinha meio zueira, respondendo a essa idéia da liberdade no discurso, mas o sentimento de propriedade na prática. O último quadro diz "Volta aqui, fxdxp" depois de uma bela fala sobre amor e liberdade. É difícil mesmo. A gente foi ensinado para TER de um jeito muito particular, quando se trata de pessoas.

Quando me separei dela, repeti pra mim e para o mundo o mantra de que "quando a gente ama as pessoas, a gente quer que elas sejam felizes, independentemente da gente". Eu acredito nisso e tento mesmo praticar, muito embora a sensação de insuficiência seja um fantasma. É sempre uma questão vaidosa sobre as nossas insuficiências e um arranjo maluco sobre a real necessidade e benefício dos vínculos afetivos. E eu passei pela idéia de que somos laranjas inteiras, copos cheios, etc. 

Quando rolou esse papo sobre buscar liberdade com a mãe dela, senti estranho. Tinha a ver com sair da casa dos pais, desejo por autonomia e independência, crescimento e experiências novas. Ela achava que ela tinha feito algo de errado e sentia culpa pelo fato de que a filha queria ir embora. Eu, honestamente, não entendi muito bem. Achei bizarro. Não é um processo natural o da independência?


EDIT: Pausa para o sofrimento com o ódio às mulheres no humor. Onde se lê "filho da puta", substituir por "NÃO PASSARÃO". 

Falando em "natureza", acho curioso como esse negócio da dependência e das situações abusivas está intimamente ligado à uma insatisfação pessoal e uma projeção na vida do outro. Para as mulheres, acredito que isso é particularmente forte porque vamos lá, se as mulheres eram obrigadas à casar, não podiam trabalhar, votar, etc, só lhes restava viver a vida de outras pessoas, não é mesmo? Cara, é impressionante como o problema clássico da psicologia sobre a relação com a mãe não conseguiu entender nada sobre o real problema da mãe! 

Já parou pra tentar entender por que sua mãe te sufoca? Será que ela se sente sufocada? Por que a mãe dela não conseguia entender a vontade de liberdade como algo natural e empoderador, prazeroso, mas como uma situação de fuga ou repulsão? Diz muito sobre como ela se sentia com a própria família, com o marido! E por que será que quando o filho homem e mais velho saiu de casa, para casar, não houve a mesma comoção? Bom, aos olhos de uma adolescente lésbica, tudo me soou absurdo e me pegava pessoalmente pela questão da aceitação e do reconhecimento, mas tive lampejos dessas coisas que estou escrevendo hoje. Constato que foram muitos gritos de socorro desta mulher, gostaria de ter sido mais efetiva nas minhas palavras e nas minhas ações. 

Casar, às vezes, pode ser um passe livre de uma situação ruim também e pode ser o desejo de uma situação melhor, independentemente da situação anterior. Digo "passe livre" porque tem esse aspecto das expectativas sociais sobre o que se deve fazer na vida. E família, casamento, filhos, relacionamentos em geral têm esse peso.

Outra coisa sobre as mães é que, nesse processo de projeção sobre a vida do outro, elas vêem uma esperança de vida melhor para elas mesmas. Estou infeliz, vou ter filhos para ver se melhora. Esquisito. Acho equivocado todo o romantismo sobre maternidade e estou com a minha irmã quando ela disse que pode ser algo muito egoísta, ao contrário do que a dedicação ao outro pareça exigir. 

E assim são os relacionamentos todos: obrigatoriedade dos laços, status social, cumprimento de papéis, propriedade sobre o outro, projeção dos desejos e medos, dor e delícia. Acho muito importante se perguntar o porquê das dores e das delícias. Uma amiga falou sobre relacionamentos abusivos e o perigo de se anular não percebendo. Às vezes você está sendo refém dos seus desejos, acho que vale considerar a hipótese, mesmo com o risco da gente cair numa auto-censura. Por quê queremos o que queremos mesmo? Enigma resolvido do vício de ser incendiária. É um exercício legal tentar se entender.



Salve, Renata. Assistir versão legendada aqui:https://www.youtube.com/watch?v=DArFXiuNE3U

Enfim, voltando: normalmente que está categorizado como "natural", passa batido aos nossos olhos, como se estivesse tudo em seu lugar - disse para ele. E quando a gente olha pra natureza, o que mais observamos é a diversidade das formas, penso. Quando eu estava no relacionamento com ela, pude ter a liberdade de tentar fazer tudo do jeito que achávamos melhor, porque estar com ela já era um constante questionamento interno e externo sobre como se relacionar com alguém. E a gente queria que fosse ótimo, a gente se esforçou pra que fosse ótimo. Discutimos, sonhamos e experimentamos bastante: acertos, erros e muito aprendizado. Gosto de viver a diversidade e espero vaidosamente não caber numa fórmula pré-concebida. Que haja espaço pra novidade.

> Parte 3: Prazos de validade indeterminados & pesquisa de satisfação

Eu também acredito que essa perspectiva do amor mais livre traz uma noção entre ser e estar muito diferentes (salve, Angélica). 
Quando a gente é "algo de alguém" existe uma questão muito forte de identidade e papéis socialmente estabelecidos. Bom, não preciso mencionar a questão do sobrenome do homem permanecer na cultura brasileira, estou carregada de argumentos feministas, mas queria tratar o assunto sobre outra ótica que não o da propriedade sobre o corpo dos mulheres. A propriedade, por si só, é um ponto importante aqui. E quando "estamos", aceitamos a volatilidade da matéria, a permanência se torna facultativa e estamos em constante processo de aprovação. Menos segurança, maior liberdade - aquela equaçãozinha filosófica do mestre B. 

Uma outra amiga tentou me convencer sob a ótica da refeição. A idéia era de que se quando a pessoa com quem você se relaciona é "suficiente", não sobra espaço para outras pessoas, para outros desejos. Concordo parcialmente. Parte de mim quer romantizar e pensar que refeições são ótimas analogias a relacionamentos, porque se você come bem, quer comer de novo. Se come pouco, e é bom, até quer comer de novo, mas eventualmente fica meio fulo da vida com a relação custo-benefício. E se você come demais, fica estufado pensando na sua própria gula.

Brincadeiras à parte, verifico a experiência de me sentir vinculada a ponto de não buscar e não abrir "brexas", mas percebe o quanto isso pode ser também sufocante? Eu até entendo a crítica contra a inércia, a balança constante do equilíbrio dos relacionamentos que os fazem valer "a pena" (da restrição da liberdade?), mas pera lá. Em que medida não caímos na questão de que precisamos da vida do outro para fazer a nossa melhor? Isso me assusta um pouco, ao mesmo tempo que uma lógica de estar sempre aberto a novas oportunidades de negócio e parceria também me parece demasiadamente fria e utilitarista. Até que a morte nos separe pode ser confortante ou desesperador, assim como até que a vontade deixe de existir.

Pássaros cantam, fazem ninhos, voam e migram - ou não. Plantas criam raízes - ou não, ficam e duram por gerações - ou não. Lembrando das aulinhas de biologia, lembro algo sobre na cadeia alimentar os pássaros serem consumidores primários e as árvores serem consideradas produtoras, pois produzem alimentos para outros e para elas mesmas (ainda que precisem do SOL para fazer fotossíntese). Acho uma grande bobagem essas construções de regras gerais sobre as operações da natureza. São tantas possibilidades! Ambos, pássaros e árvores, disseminam sementes para novas plantas - ou não. Árvores e pássaros precisam um do outro (ou não) e de condições favoráveis para se desenvolverem.

No final das contas, o que eu mais quero é querer. E pelos motivos certos. Acho que pra amar tem que querer também, senão sente esquisito. Parece confuso? Rs. Pensei nisso quando estive em Pardinho. Tinha uma vista bonita com uma gaiola aberta, com comida e água dentro. Entre se quiser, passeie quando queira, volte se interessar. Não gosto nem de portas e nem de gaiolas, mas se a existência delas não é facultativa, que possa haver condições de permanecerem tranquilamente abertas. 



"Nascer, crescer e morrer
Este é o jogo da vida
Só que ele não é tão simples assim
Antes disso eu quero um carro, 
Um monte de contas pra pagar
Porque só consumindo com um cartão de crédito 
é que eu vou conseguir me realizar"  
Discarga - Jogo da vida

Disse para ele sobre a esperança de que tudo possa ser melhor.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Perseguindo ideais

Natalia, você é o absurdo, ele me disse, uma vez. E houve quem concordasse, à época. Hoje ouvi que preciso me adeqüar, que desse jeito não dá. Que estou a perseguir coisas muito ideais. Sim, não acho que estou perseguindo qualquer coisa material. E que tipo de coisas que não são ideais, ora essa?

Se eu estivesse nadando de fato contra a corrente, quanto tempo demoraria até a exaustão? Sinto que preciso perder a consciência para parar de me debater. Todo esse exercício me cansa. E eu odeio teatro. Não quero fazer nada para me odiar, quero ser gentil comigo mesma, ainda que o mundo insista para que eu deixe de lado meu bom juízo. Meu desejo de justiça. Meu compromisso com o que acredito.


Hoje ela me perguntou se eu realmente queria pedir algo para os tais guias espirituais, pois falei para ela me dar uma dica, em tom jocoso. Não gosto de me sentir só. Ela não gosta que duvide das certezas dela. Eu acho que eu também não. 

Ai, os ais. Estou que não [me] caibo.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

About our steps

We were holding hands, and I don't know why I was running a little bit. Something inside me calls for a better use of my time and I do feel like I have somewhere to go, but I really can't find where I'm heading to.

There is a revolution inside me, I hope you can understand - luckily you can relate to that. My life is moving, but I'm still here. Waiting for that ride for the gettaway. But in that scenario I always come back. I want so bad to go and stay at the same time.



and opposition keeps stretching me.
[Pendu / Danse]


Resultado de imagem para danse pendu

terça-feira, 5 de junho de 2018

Fear and delight



Eu me lembrei daquela noite fria e desonesta. Senti um desconforto que não senti antes.

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Pensei nos problemas dela. Acho que aquele conselho para não se sabotar (mas se superar) não faz muito sentido, no final das contas. A gente precisa se superar pra não se sabotar muitas vezes. E tem sempre muito mais acontecendo do que a gente mesmo, certo? É sempre delicado esse equilíbrio entre o quanto que a gente tem condições de se dedicar ao outro e quanto que o outro pode se dedicar à gente.

Tenho me sentido com sorte. Gostaria que não viessem esses rebotes de que se as coisas estão dando certo é porque estão compensando alguma coisa ou é porque não estou querendo ver o problema. Tem algo no conforto que sempre me põe em estado de alerta. E me diz que eu não mereço as coisas. Nem as boas, nem as ruins.

Disse que estava aberta para negociar. Acho que o presente é claramente uma prova disso. Mas e o futuro? Tenho me questionado sobre o uso da vida ou do tempo, como alguém que espera uma associação direta entre o que se dá e o que se recebe. Não quero me segurar em nada, mas às vezes precisamos mesmo de uma mão.