Houve aquele momento um pouco com cara de cartas na mesa, em que nós duas estávamos em frente àquela mulher. Nós nos sentíamos meninas, enquanto ela parecia ter feito a transição há anos. De fato, ela era mais velha. Ela tinha aquela força de quem está construindo algo para si mesma e estava convencida de que nada mais iria pará-la, sabe? Eu disse que sentia muita admiração por ela. Fui honesta quanto aos meus sentimentos e quanto às minhas interpretações. Não sentia mais do que aquilo e me incomodava profundamente como as coisas se misturavam com facilidade e divergiam das minhas intenções. Sempre tinha algo que precisava ser explicado e que me parecia óbvio. Acho que outras pessoas já se sentiram assim sobre mim. Sei lá.
Acho que a vodka que tomamos se chamava Belvedere. Tenho certeza que era laranja, mas só encontrei o sabor "citrus" pesquisando online agora.
Ela vivia me contando sobre como eram seus relacionamentos livres com homens mais velhos, apesar de se definir bissexual. Na época já entendia que havia uma necessidade ambígua de aprovação masculina, mas, principalmente havia uma certa competição intelectual. Ela vivia numa casa coletiva - acho que a primeira que conheci. Ela gostava de cinema. Fazíamos um grupo muito legal. Queria tê-la mantido como amiga, mas a situação toda ficou muito dolorida para mim.
Nos encontramos por acaso numa manifestação há algum tempo atrás. Ela estava com o cabelo raspado. Queria tomar vodka com ela e ter conversas interessantes. Sei que ela gosta de filmes. A gente se correspondia em algum lugar que deixou um espaço vazio.