sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Das crônicas de bar [e sobre o que buscamos lá]

Eis que me pego entre o amendoim, a cerveja, a quarentena e o dia do psicólogo.
Foi ontem. Dei parabéns a ela. E quis vir escrever sobre ele.
Porque quando ele frequentava o bar eu achava graça em seus trejeitos.

Como quem buscava se curar de suas agonias acumuladas em doses generosas de coxinhas.

Como quem buscava uma maneira de disfarçar seu estar-ali com panfletos deixados sobre a mesa.

Como se a curiosidade batesse em sua janela sobre o que se passava ali do lado.

"Trotsky!"
Ele gritava. De forma explosiva. "Cerveja Trotsky!". 
E escrevendo assim me lembro do Rafael e do escritor, aquele senhor cujo nome não lembro, mas que me deu um livro de presente. José Simão. E a solidão de todos os homens.

Porque hoje conversei com Angélica sobre homens não conversarem direito. E porque outro dia também me atentei as estatísticas de suicídio e antes disso, ainda, que
(pausa dramática para beber a cerveja e entender os olhos cheios de lágrimas)
Antes disso, ainda, que os homens precisam contornar a hipótese de que são agressores e estupradores em potencial como pressão da sociedade machista.

Os olhos cheios de lágrima vieram mais cedo. Talvez porque aquela casa guardava alguns sonhos, talvez porque quarentena. Talvez porque amigos. E um amigo, dos velhos tempos de blog, que teve a Elis e eu ainda não pude conhecer, falou sobre ir, de fato, conhecê-la. 

E a sensibilidade dos homens (ainda) me comove.  

Muito antes de eu parar naquele quarto ao lado do bar em sessão com ele, houve quando ele encontrou um paciente e de forma engraçada tentou se esconder. Explicando uma coisa qualquer sobre a necessidade daquela reação assustada.

E não há como não pensar no seu silêncio. E no fato de que qualquer coisa que ele tivesse falado ali naquele quarto quebraria a minha segurança em ali desabafar todos os meus "ais". Eu contei para ele que ele estava ali porque achava que entendia minha visão de mundo. Contei que tinha medo de homofobia. Contei muito sobre minha família, meus pais, euzinha e o machismo. Chorei. 

Um dia eu chacoalhei a cabeça dizendo que não podia "confiar". Ele me gritou um "por quê não?!" e eu não quis responder. Achava que estava certa. Mas não quis contar. Porque eu queria estar errada. Mas eu não estava. E há um alívio no dia de hoje em estar tudo bem, no tempo certo das coisas.

Enfim, eu saí daquele quarto. Não sei se era a hora. Mas estava cansada de me ouvir. Self pity. Eu não podia pagar, mas eu precisei. E agradeço o acolhimento. Foi importante.

Me lembrei dele quando assisti ao seriado do Trotsky na Netflix. Pensei no que ele queria dizer. Fiz um paralelo por cima sobre a minha questão de nunca ser digna de assumir um cargo de poder, enfim. Tive as minhas divagações sobre o assunto. O que ele queria dizer com aqueles gritos só ele sabe. Talvez um dia saberei.

De longe, pensando na sensibilidade dos homens, fica a minha lembrança.



 

domingo, 9 de agosto de 2020

Somos

Uma vez escrevi pra ele algo sobre a possibilidade de respeito mútuo enquanto indivíduos. 

Eu era jovem, era difícil. Ele não me via como pessoa. Foi de próprio punho, foi sentimental. Eu acreditava no poder das palavras para mudar as pessoas.

Já era velha e percebi uma camada de auto-violência. Percebi a falta de cuidado que vinha também com esse problema em não me ver como pessoa.

Dói uma coisa qualquer, de uma lembrança qualquer no meio da brevitude e da delicadeza da vida. 

As minhas dores pedem licença para que eu possa ser pessoa.