domingo, 15 de abril de 2018

Os não lugares e as coisas fora do prazo de validade

Ela me perguntou sobre minhas mágoas e rancores - acho que num processo de renovar suas energias e tentar se livrar de suas próprias, tendo em vista o momento que se vivia. Desconversei, pensando numa conversa que já havíamos tido nesse sentido. Ela, sentada e fumando, insistiu.

Eu, com a mesinha nova de ponta-cabeça, apertando os parafusos sobre o tampo, respirei fundo.

Estive respirando fundo por todos esses dias, na verdade. Deixei o tabaco em casa. Precisava deixar coisas para estar aqui nesse momento, sentia.

Bom, falei. Lembrei do princípio de infarto dele, quando falei para ele também. Mas aqui não teve tanta raiva porque o tom não foi provocativo, penso. Porém, não há sutileza no palavreado que disfarce a natureza tóxica das coisas. Não guardo rancor porque sei que são coisas da vida. Sinto assimetria. Tentei suavizar de todas as formas. Sempre tentei respeitar muito as dores deles.

Ela me pediu explicações e exemplos. Ela repetiu comportamentos e me ajudou na argumentação com mais exemplos e demonstrações. Quem sabe, faz ao vivo - pensei agora. Disse que não havia muita participação na minha vida, que constato menosprezo de sentimentos e cobranças indevidas. Disse que não sentia a recíproca verdadeira com nenhum deles. Disse que sua depressão também havia me custado muito e a relembrei que vivi junto todas as dores dela em meu tempo de convivência. Quando se tratava das minhas, ou eu escolhi viver sozinha por assumir que eles não precisavam de mais problemas ou entao ela mesma tratou de ignorar os pedidos de ajuda e literalmente mandou que me virasse sozinha.

Sozinha. Sim. Há um ponto em que se é preciso dosar o discurso de sucesso sobre independência e a autonomia.

Consegui que ela escutasse. É duro quebrar a vaidade e a autodefesa dos outros. Disse coisas que acho que ela não sabia. Achei que ela soubesse, mas ignorasse. Parte de mim sempre considerou que ambos, além de depressivos, magoados e rancorosos, sempre escolheram olhar muito para si e ignorar os sentimentos dos outros.

E aí que doeu nela, né? Não dói pra quem fala, dói pra quem escuta. Expliquei acho que bem explicadinho. Ela foi chorar no banheiro, sentiu vergonha. Para ela é terrível quando se prova o erro dela. Falou em negligência, soluçando. Fiquei sem jeito, fazia tempo que não me ocorria nada parecido com aquilo tudo. Expliquei pra psicológa que tava tudo bem, mas a diferença era que ela era minha mãe e eu era filha, especialmente quando era criança. Queria dizer que a cultura do "engole o choro" também foi uma merda, mas dosei.

Aos vinte oito anos de idade. Sempre foram maiores abandonados. Não quero, tomara que não. Tenho muito (muito) medo da hereditariedade e da reprodução de valores sem filtro da crítica. E eu sei que o mundo é bem maior do que eu, mas entende? Achei importante. São 05:07 da manhã de domingo.

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