terça-feira, 31 de julho de 2018

Crônicas da neurose


Sobre assumir a responsabilidade

Lembrança n1


Me lembro de ter um desejo muito forte de protegê-la.Ela deixava de ir às sessões e passava as tardes comigo, muitas vezes quieta, apenas deitada ou se ocupando de observar árvores, nuvens e coisas assim. Passei a levá-la até lá, não me lembro se entrando logo de cara, mas cheguei a entrar na sala de espera. Salas de espera, acho que ela se mudou algumas vezes, se não me falha a memória. 

Eu me preocupava genuinamente com a possibilidade da tal profissional estar 'fodendo com a mente dela' com alguma merda homofóbica. Ela era menina e a mãe a pôs na terapia simplesmente assumindo que 'não sabia lidar'. Queria marcar território, dizer que tinha alguém ali para defendê-la, que se importava se aquilo de fato faria bem a ela e estava disposta a assumir responsabilidade. Estava acostumada a assumir responsabilidade e talvez não me desse conta de que me enxergavam apenas como a menina que eu era. Ainda acho que foi e que é importante.

Lembrança n2

Meus daddy issues. Ficar esperando o dia todo, na data combinada. As reclamações dele quando eu queria 'trocar de final de semana' para fazer alguma outra coisa. Acho que ele começou a tentar me dar o troco muito cedo. Doía nele e ele queria que doesse em mim. Acho que sempre foi assim. Era um combinado de merda no ventilador diretamente apontado para mim. Lembro da tia Neide falando sobre ele ser assim mesmo, que eu não deveria me importar. Por muito tempo eu odiei me importar - e sinto os reflexos do 'nem todo homem' até hoje.

Lembrança n3

Disse para ele sobre as minhas compulsões, como quem esperava que ele entendesse. Disse muitas coisas, como quem esperava que ele entendesse. Eu não sei o que há em você que não veio de mim. Tem muita projeção nessa energia maluca. Talvez eu esteja certa sobre as similaridades e acho só triste. Pra você e para mim também. Dói em mim a sua insuficiência também e a minha indisponibilidade em níveis diferentes, ainda que já tenhamos passado desse ponto.

Lembrança n4

Bigodes estúpidos e nomes latinos me lembrando que sou obsessiva.

Lembrança n5

'Ansiedade e procrastinação, sei', ele disse. Não me agradeça pelo interesse em ajudar, desconfie das minhas boas intenções. Tome ciência da conseqüência das suas ações, no fundo você sabe melhor. Eu espero que você saiba melhor. Eu espero que eu saiba melhor também.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Onde acaba a dor e começa o amor?

Tudo tem seu tempo, minha mãe sempre diz. Não que eu creia em palavras de ordem, acho que a vida é caos e harmonia, naturalmente. Mas a vida se prova indubitavelmente finita - é refém do tempo - e, muitas vezes, se mostra indomável, violenta e feroz. Estamos sensíveis a toda intensidade que nela possa haver. Que sejamos sábios e domemos o que estiver ao nosso alcance. Amor e dor, simultaneamente.


Existe amor depois do amor
Resiste o amor depois do horror
Até o amor ser bom ele é tão ruim
Tão ruim

Teu corpo aqui do meu lado
Maior que o meu cobertor
Não é um monstro que eu acho

É salvador
É meu salvador
Salvador
É meu salvador

Letrux - Amoruim

quarta-feira, 18 de julho de 2018

As partes

Disse para ele que considerava uma fraqueza ter sentimentos (que não o desprezo ou a raiva) por homens quaisqueres. Tinha raiva de identificar sentimentos em mim também. Disse para ouvir sem se ofender pessoalmente. Sei que é sexista. Disse que deveria ter permanecido sapatão. "Sapatão é resistência antipatriarcal", vem a voz dela na minha cabeça, recitando.

E todas aquelas bobagens no covil terapêutico me fizeram pensar sobre o ressentimento de ter uma vida arruinada ou conseqüências ruins por conta de um homem babaca e sua própria bagagem de merda emocional repassada adiante. Difícil medir o exagero, quando se trata de sentimentos. Mas mais difícil foi matar a imagem imaculada da mulher - eu reconhecia a santa nos outros, mas não em mim. Eu ressentia os efeitos da mulher ressentida também. Ai, as dívidas históricas.

Onde acaba a dor e começa o amor?

Falei para eles da diferença entre ser assertiva e ser violenta, como se estivesse educando sobre o final do ciclo da violência. É difícil. Quero acreditar nessa possibilidade. Preciso acreditar nessa possibilidade. 

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Orgulho e vingança - que ela chama de auto-respeito

Sou uma péssima atriz. Tinha falado para ele sobre aquela jaqueta vermelha que via constantemente na volta do trabalho pra casa. Ele me disse para comprar. Serviu perfeitamente àquele dia. A jaqueta também. Arrogante, com o forro animalesco. "Cabeça erguida", a voz dela me dizia. Irritantemente ela chorava e estava sem postura. Ela nunca teve postura. Passou por tudo como se fosse frágil. Como se forjasse culpa e arrependimento. Não suporto a atuação. Mas fiz meu papel de superada. 

Fiz escolhas ruins para fugir da minha contradição.

Eu já deveria ter aprendido a não entrar em contradição.