sexta-feira, 24 de julho de 2015

Carta aberta à Ana

Ana, 

Em primeiro lugar, gostaria de pedir desculpas por não ter te respondido. Eu deveria ter feito isso. Na verdade, o que eu precisaria esclarecer pra você envolve outras atitudes que eu deveria ter tomado, mas não tomei. Eu vacilei. Eu entrei em contradição. E você não me conhece o suficiente pra saber o quanto que me pesa admitir e lidar com isso. Relativizei a minha moralidade num momento de fraqueza. Eu me apaixonei. Isso não é, nem de longe, uma justificativa para desrespeitar outro ser humano.

Eu falhei como mulher, me submetendo aos sentimentos por um homem, em primeiro lugar e, em segundo, me permitindo levar adiante um envolvimento completamente fora do lugar. Eu caí na coisa óbvia da história do patriarcado. Logo eu, que odeio ser óbvia, que sempre me propus a não ser refém, a querer transcender e que entendo o feminismo como ação necessária para a igualdade de gênero, dentre outras bandeiras que defendo. Traí a minha própria revolução e traí você, que pouco interagia comigo. Você nunca vai me deixar esquecer disso, mesmo sem me dizer mais nada.

Gostaria de pontuar que eu sou uma pessoa que costuma respeitar os acordos que faço e que os outros fazem. Tenho meus problemas de descrença à instituição tradicional dos relacionamentos - a monogamia, mas isso quer dizer, inclusive, que procuro construir um mundo que possa ser mais honesto quanto ao que se sente e quanto que se quer. Ser honesto, nesse aspecto, envolve auto-conhecimento, racionalização e aceitação, e, por fim, uma tomada de decisão que deve priorizar sempre o respeito pelas pessoas.

A gente não escolhe o que sente, apenas o que faz a respeito disso. Infelizmente às vezes tomamos escolhas erradas e às vezes somos coniventes com decisões erradas tomadas por outras pessoas. Estamos inegavelmente errados toda vez que nos calamos perante situações injustas com alguém. Egocêntricos e escrotos que somos, seres humanos que se permitem ir contra a racionalidade, se deixando dominar por um impulso, por uma idéia sedutora de romance proibido - e como nos estragaram com isso! No final das contas, vale a parceria, vale o companheirismo, a igualdade de tratar o outro como você gostaria e quer ser tratado. 

Como alguém que já esteve num lugar parecido com o seu, gostaria de te dizer: não desmereça o todo pela parte. Não se convença de que você estava errada em todos os momentos em que sentiu o que sentiu, que julgou estar no lugar certo com a pessoa certa. Pondere. Você é capaz de compreender, mas é sempre bom saber até que ponto vale a pena compreender os outros pelo tanto que isso te custa. E tome suas decisões pesando bem as variáveis.

De qualquer forma, espero que você possa ter a mente forte o suficiente para aprender com o erro dos outros. Não para ficar "mais esperta" quanto a com quem se relaciona, não para desacreditar da possibilidade de confiar em alguém, nem mesmo de que o amor não é importante ou não vale a pena pela dor que causa, nem nada do gênero. Mas que você possa ser mais sábia e não se permitir machucar os outros porque achou que poderia entrar numa situação perigosa da qual não conseguiu sair sozinha. Que você possa construir uma parceria com espaço para lidar com esse tipo de coisa de forma aberta e compreensiva, entendendo a relação entre o que se sente o que se faz a respeito disso.

Ainda agindo de forma mais aberta, sei que provoquei dor com as minhas atitudes e com a ordem dos eventos. Mas também sei que estávamos já perto de uma bifurcação e isso, em partes, talvez tenha sido o que permitiu e motivou a intensidade dos sentimentos que condicionaram a coisa toda. Nada é tão simples como parece, todo mundo passa por períodos de auto-questionamento e acaba caindo em contradição, em algum momento da vida, acredito. Acaba esquecendo de quem se é, largando as rédeas do auto-controle, agindo de forma desmedida. A gente aprende com os nossos erros e com os erros dos outros, mas inevitavelmente haverão situações em que até mesmo a coisa que parece mais certa do que qualquer outra coisa, acaba sendo a coisa errada. 

De longe (mas de perto),

N.

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