quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sobre perder e continuar (n)a linha

Eu, ponto que sou, por onde passo deixo uma linha.

Essa linha é um trilho, uma sugestão, uma possibilidade de vôo...

Você já brincou de empinar pipa?  Pois bem, se você pega essa linha, se dialoga com o vento, rola uma brincadeira, em que às vezes você puxa, às vezes sente puxar. Talvez você possa se entreter com toda a idéia do vôo controlado. Talvez a projeção, talvez a sensação de controle e liberdade seduza. Sim, de novo o lance da liberdade e da segurança do Bauman, sobre os elementos fundamentais para a felicidade humana. Sobre a pipa: pô, teve um cara ousado aí que resolveu empinar pipa de um jeito meio maluco no século XVIII, tomou um raio na cabeça e descobriu a eletricidade... tudo pode ser e acontecer! Rs.

Às vezes alguém acha legal vir querer cortar sua linha e corre atrás pra pegar no chão, ou sei lá onde a coisa vai cair. É um risco também para quem corta porque nunca se sabe onde a coisa cai. Isso quando o que se quer é roubar a pipa dos outros, mas tem gente que corta a linha dos outros só pra cortar mesmo. Cerol, né? Tem gente que curte uma competição nessa parada de empinar pipa....e o problema nem é a competição, é quem quer dar de esperto com quem nem tá querendo competir, eu acho. Acho que cada um tem que saber a quê se propõe e é legal respeitar a proposta dos outros.

Às vezes a falta de domínio faz com que a linha se enrole em algum lugar, escape à mão de quem está segurando. Ou a distração mesmo. Aquela coisa de quando você tá pegando confiança e dá merda porque ficou confiante demais. Às vezes também você começa brincando de uma coisa, enjoa e logo quer brincar de outra coisa.

Se a linha arrebenta, sendo frágil em sua constituição,
 amarras e outras partes importantes do esquema todo ou apenas insuficiente perante o vendaval inesperado, a coisa toda fica apenas à mercê do vento. E sabe-se lá o que acontece depois disso, pros dois lados do esquema. De que serve uma linha voando sozinha, uma linha enrolada apenas no carretel, uma linha cheia de nós insolúveis, uma pipa rasgada no asfalto, presa e destruída numa árvore? Desencana e vai brincar de outra coisa.

"(...)
Por que insiste em lembrar do vôo
Quando dói o que tombou?"


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Meu lado leste: Lembro que ele me ensinou a fazer e a empinar pipa. Os meninos cortaram minha linha. As meninas não brincavam, no máximo os meninos pediam pra elas consertarem suas pipas. Sabe como é, aquela divisão de gênero imbecil e castradora da infância que a gente chama de machismo. Ele representou: me ensinou, fez presença, correu atrás quando cortaram a minha linha e todas as vezes que deixei escapar quando estava aprendendo. Subiu na árvore, me apresentou pra todo mundo e marcou minha pipa a ser respeitada até que eu pudesse brincar com confiança também.

Engraçado que lembrei dessa postura com a dona Encrenca quando falaram do cabelo dela, no final de semana. O maloqueiro que mora em mim e aparece de vez em quando quer fazer justiça, quer dar sermão, quer ter razão e proceder, quer fazer território e quer proteger, assim como o orixá dele. Chama Xangô. 

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