sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Ciúmes, ego e possessão

Ciúmes é aquele monstrinho que nos perturba a alma, o coração e, principalmente, a nossa mente. Trata-se de algo completamente ilógico e irracional que acontece de formas muito diferentes de acordo com o contexto cultural (em maior e menor escala) e o tempo histórico. Esse “monstrinho” começa pequeno, mas pode tomar proporções homéricas e aparece até mesmo em muitos casos de crimes passionais.

Antes de ser um problema pessoal, melhor dizer logo que eu não acredito ser uma coisa natural, muito menos universal: estou convencida de que é um problema social. E, acredito que, se somos condicionados, podemos nos desvincular dele (não que seja simples ou fácil). 

Estou colocando em termos genéricos exatamente pela amplitude do ciúmes nas relações humanas: pode acontecer entre casais, amigos, familiares, colegas de trabalho e até mesmo (pasmem, rs) com coisas! Mas não vou falar das coisas porque me parece mais complicadinho e me parece que rola uma personificação ou uma projeção sobre os objetos que não é interessante no momento.

Então, a coisa toda me parece operar sob os aspectos (1) do desmerecimento da experiência primária com a pessoa-objeto de ciúmes, (2) dos efeitos narcísicos do ciúmes de auto-depreciação e (3) da possessividade.

A respeito desse primeiro aspecto, entendo que nos sentimos como se estivéssemos sob algum tipo de ameaça porque pensamos que a experiência de mesma natureza ou até mesmo de natureza diferente da pessoa-objeto do ciúmes com outra(s) pessoa(s) de alguma forma interfere negativamente  na experiência (ou chega até mesmo a invalidá-la) de interação entre nós e a pessoa-objeto de ciúmes.

Sobre esse segundo aspecto, as coisas se misturam. Narciso foi o cara que se apaixonou pela própria imagem. A relação disso com o ciúmes, para mim, está no fato de que nos preocupamos, ainda, com a ideia de que aquela(s) pessoa(s) que teoricamente estaria(m) ocasionando esse sentimento o faz(em) por estar(em) diretamente em competição conosco. Como se estivesse tomando o nosso lugar. Mexe com a nossa segurança! Mas isso só faz algum sentido quando temos por certeza que uma coisa invalida a outra e que não se é possível ou que não se deveria ter experiências simultâneas de natureza similar com pessoas diferentes! É uma questão de papéis e regras sociais sobre a interação entre pessoas; e o efeito narcísico disso é a maneira negativa como afeta a nossa própria imagem e o nosso ego tanto a ocorrência de fato, como a iminência ou a suspeita dessa outra experiência.

Por fim, a possessividade. Já ouvi por aí “é o tempo do uso, e não da posse”. É verdade, nossa vida se tornou mais descartável, mais substituível, mais livre para se escolher...  só que dentro das relações humanas, em nosso contexto mais particular, permeia a ideia da posse exclusiva, que me parece desdobrada da ideia de propriedade privada. As coisas e pessoas são passíveis de propriedade privada, uso particular e não podem ser possuídas ou mesmo usadas por qualquer um sem a autorizaçao d@(s) proprietári@(s). Ora, não somos nós, donos de nós mesmos? É claro que existem acordos social e pessoalmente estabelecidos que configuram danos ou malefícios a outras pessoas quando são quebrados,  mas o ponto não é esse. O ponto é, caso não tenha ficado claro: por que sentimos ciúmes?

Perguntas honestas: se negamos a posse, por acreditarmos não ser possível ou não ser razoável a ideia de propriedade sobre outras pessoas, só nos resta a lógica do uso? E essa lógica necessariamente está associada a uma efemeridade, ao rápido descarte, à substituição? Se serve, serve; se não serve, joga fora? A liberdade de escolha está necessariamente atrelada ao consumo desenfreado, pois somos assim, movidos por múltiplos impulsos do nosso desejo?

Para terminar, indicação de vídeo do Zygmunt Bauman. A entrevista toda é muito bacana, vale a pena. Até porque ele tem essa linha de raciocínio que parece não ver ruptura entre as relações humanas, as relações sociais e a relação com o mundo! Mas, enfim,  a partir dos 20 minutos, nos 10 minutos finais da entrevista ele se atenta especificamente aos laços humanos, que para ele estão mais “fragilizados”e “líquidos” na modernidade. Muito interessante a dosagem sobre dois valores essenciais para a felicidade humana: um é a liberdade e outro a segurança.  


3 comentários:

  1. "NA VERDADE O QUE QUEREMOS É DILACERAR O OUTRO. Dão o nome de desejo a essa comilança toda. Na natureza tudo come. Do leão à formiga. Até as estrelas se engolem umas às outras. Tenho cagaço do cosmo. O Criador deve ter um enorme intestino. Alguns doutos em ciências descobriram que quanto maior o intestino, mais místico o indivíduo. E quem mais místico do que Deus? Grande intestino, orai por nós."

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    1. "Tenho cagaço do cosmo". Já ouvi isso antes, com outras palavras. Medo da ordenação do mundo que parece te exigir: devore ou seja devorado. Mas acho que as coisas acontecem mais simultaneamente e mais metaforicamente.


      [Desejar e comer são duas coisas diferentes; é sempre bom pontuar. Mas quando junta a fome com a vontade de comer...]

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  2. ...devore E seja devorado, já que "na natureza TUDO COME".

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